Saúde
8 em cada 10 estudantes brasileiros relatam sintomas de ansiedade e depressão, aponta estudo
Realizado pelo Instituto Ayrton Senna em parceria com o CAEd e secretarias de educação, o levantamento analisou cerca de 89 mil alunos e mostra que habilidades socioemocionais como autogestão e resiliência emocional estão diretamente ligadas à aprendizagem e à saúde emocional dos estudantes.
O Instituto Ayrton Senna acaba de divulgar dados da Avaliação do Futuro, um dos maiores mapeamentos no Brasil sobre o impacto das competências socioemocionais no desempenho e bem-estar de estudantes da rede pública. A avaliação, que integra as ações de monitoramento dos sistemas educacionais, foi realizada nos estados de Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará e Paraná em parceria com o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (CAEd), da Universidade Federal de Juiz de Fora, e no estado do Ceará. O levantamento compõe um esforço nacional para compreender como aspectos emocionais e sociais interferem nos resultados de aprendizagem dos estudantes e na convivência escolar.
Cerca de 89 mil estudantes do Ensino Médio dos cinco estados brasileiros foram escutados. Na avaliação, foram identificadas correlações significativas entre o desenvolvimento de competências como autogestão, engajamento com os outros e resiliência e o desempenho em disciplinas como Língua Portuguesa e Matemática. Estudantes com maiores níveis de autogestão — a capacidade de planejar, persistir e lidar com desafios — apresentaram notas superiores e vínculos mais significativos com seus pares e adultos da escola.
Os resultados também revelam que o desenvolvimento socioemocional está diretamente relacionado à saúde mental dos alunos. O que chama atenção é o fato de 8 em cada 10 estudantes brasileiros relatarem um ou mais sintomas de ansiedade e depressão em níveis altos, com 38,9% sentindo-se esgotados, 33,9% perdendo o sono por preocupações e 22% afirmando sentir-se incapazes de superar dificuldades.
Entre os sintomas mais recorrentes, o levantamento mostra:
38,9% relataram sentir-se bastante ou totalmente esgotados ou sob pressão
33,9% perderam o sono por causa de preocupações
20,4% disseram estar bastante ou totalmente infelizes ou deprimidos
22,1% perderam bastante ou totalmente a confiança em si mesmos
22% relataram sentir-se incapazes de superar suas dificuldades
7,9% afirmaram não conseguir se concentrar em suas tarefas
Entre as meninas, 25,2% perderam bastante ou totalmente a confiança em si mesmas, contra 17,8% dos meninos
“Esses números refletem desgastes emocionais que precisam ser olhados com cuidado. A saúde mental é multifatorial — envolve relações consigo mesmo, com os outros e com o contexto em que se vive. Entre os adolescentes, essas pressões podem ter origens diversas: desafios próprios da faixa etária, vulnerabilidades contextuais, desigualdades sociais, preocupações sobre o futuro (como a proximidade do vestibular), a convivência na escola, as expectativas familiares ou sociais e as comparações nas redes sociais. Tudo isso impacta a motivação e a confiança dos estudantes em suas próprias capacidades”, explica Ana Crispim, gerente de pesquisa no eduLab21, laboratório de ciências para a educação do Instituto Ayrton Senna, doutora em Psicologia pela University of Kent (Reino Unido) e especialista em psicometria.
Além disso, Crispim destaca que a escola tem um papel central nesse processo. “Além de identificar fatores de risco associados à prejuízos na saúde mental, as escolas precisam mirar em fatores protetivos como fortalecer espaços seguros, onde vínculos sólidos entre alunos e educadores favorecem a escuta, o acolhimento e o encaminhamento adequado. Programas estruturados de desenvolvimento socioemocional podem ser aliados nessa missão, ao estimular autoconfiança, engajamento, a construção de uma rede de apoio e estratégias de regulação emocional”.
O mapeamento socioemocional mostra que esses números são ainda mais altos para meninas: 25,2% relatam ter perdido bastante ou totalmente a confiança em si mesmas, em comparação a 17,8% dos meninos.
De acordo com Crispim, essa informação vai ao encontro de outras pesquisas nacionais e internacionais que mostram que meninas apresentam queda nas suas estratégias de resiliência emocional e de saúde mental desde o início da adolescência.
“Sentimentos como tristeza, raiva e ansiedade tendem a ser mais complexos e difíceis para que o adolescente os administre, algo que parece ser ainda mais acentuado entre meninas. A adolescência é um período desafiador: fatores como a insatisfação com o corpo, somada à força dos padrões de beleza e das comparações e expectativas sociais, pesam no dia a dia. Por isso, o desenvolvimento de recursos e estratégias para melhor regular suas emoções e a contar com a compreensão e apoio dos adultos, fazem muita diferença nessa jornada”, explica Crispim.
Para Gisele Alves, gerente executiva do eduLab21, os dados reforçam a necessidade de olhar para a educação de forma mais ampla. “Não há bala de prata. É preciso adotar múltiplas estratégias — pedagógicas, psicológicas e sociais — para construir respostas efetivas à crise de saúde mental entre os jovens. E isso passa por políticas intersetoriais que unam educação, saúde e assistência social”, destaca.
Alves lembra também que os professores são atores fundamentais nesse cenário. “Promover saúde mental na escola significa criar um ambiente onde aprender e se sentir bem caminham juntos. E isso vale para os estudantes e para os docentes, que enfrentam seus próprios desafios emocionais e precisam ter apoio nessa relação cotidiana com os alunos”.
A Avaliação do Futuro é fruto de esforços de longo prazo do Instituto Ayrton Senna e que ganha reforços a partir de sua parceria com CAEd, consolidando a liderança brasileira em estudos sobre educação baseada em evidências. Os resultados se somam a mais de uma década de pesquisas do eduLab21 que reforçam o papel das competências socioemocionais como eixo central de uma educação de qualidade e equitativa.